Por: Luigi Wagner
No mundo do Cinema é perfeitamente comum associarmos um
nome particular de um diretor a quaisquer de suas obras. Scorsese, Kubrick,
Fincher, Nolan... é imensa a lista de criadores que tem seus filmes sempre
associados a seus nomes.
Na indústria dos games, raramente isso acontece, sendo que
na maioria das vezes um game tem sua produção diretamente ligada ao estúdio
responsável pela obra como um geral. No entanto, se existe um diretor que excede
tal regra, esse diretor é Hideo Kojima.
Responsável pela criação de uma das mais importantes e
aclamadas séries da história dos videogames há 28 anos com Metal Gear (MSX, 1987), Kojima se sedimentou como uma das grandes
figuras da indústria em 1998 com a obra-prima do primeiro Playstation, Metal Gear Solid.
Depois de quase três décadas e oito títulos dirigidos,
Hideo Kojima tem em Metal Gear Solid V:
The Phantom Pain aquele que é provavelmente o seu último trabalho com sua
criação. Dada a recente quebra na parceria entre o diretor e a produtora da
série, Konami (e o provável afastamento desta da produção de jogos grandes), ao
que tudo indica, MGS V se trata, de
fato, do último título da homônima série de espionagem.
Nesta carta de despedida, Metal Gear Solid V não só recebe o primeiro tratamento da série em
um espaço de mundo-aberto, como também é o jogo que promete ligar as sagas de
Solid Snake (iniciada no primeiro Metal
Gear) com a saga de Big Boss (iniciada em Metal Gear Solid 3: Snake Eater).
HISTÓRIA
Nove anos depois dos eventos ocorridos em Ground Zeroes (a
destruição da Mother Base), Snake (Kiefer Sutherland) acorda do coma no qual a
devastação o colocou, quando um grupo militar (e outras estranhas figuras)
atacam o hospital no qual o protagonista se encontra no objetivo de matá-lo.
Depois de um interessante (e psicodélico) prólogo, Snake se
reencontra com o infame Ocelot (Troy Baker) e seu antigo parceiro Kaz Miller
(Robin Atkin Downes) e, em conjunto, os três homens decidem arquitetar um plano
de vingança contra o homem responsável pela tragédia há nove anos e, no processo,
reconstruir Mother Base (inicialmente estabelecida por Big Boss e Miller em Peace Walker), formando um grupo militar
independente denominado Diamond Dogs.
Metal Gear é uma série conhecida por sempre apresentar
grandiosas, complexas e densas tramas, algo que, por mais que sempre tenha sido
um dos grandes “chamarizes” da série, também muitas vezes foi seu maior
problema.
Não que não seja uma série que mantenha uma até eficiente
coesão narrativa ao longo de seus vinte oito anos de existência (por que até
mantem), mas muitas vezes as tramas dos jogos se mostraram excessivamente
convolutas a ponto de até mesmo os mais antigos fãs se sentirem perdidos.
The Phantom Pain, porém, conta aquela que é a história mais
“isolada” que a série já apresentou. Pelo menos no espectro geral da trama, já
que permite novos jogadores a pelo menos se identificarem com a linha de
“vingança” que norteia a narrativa.
Dito isso, nos momentos mais climáticos da história, o
roteiro de Kojima deixa de lado a “solidariedade” aos novatos e volta a remeter
aos jogos anteriores da série, fazendo referências à eventos e personagens, que
caso você não tenha jogado ao menos Snake
Eater e Peace Walker (as duas histórias
que precedem The Phantom Pain) se
sentirá completamente perdido frente ao que é discutido na tela. Para os fãs
fiéis a série (como eu) isso é uma excelente
notícia, uma vez que um dos grandes temores pré-lançamento, era que Metal
Gear Solid V diminuísse sua preocupação com seu universo em prol de atrair
novos jogadores. Assim, se você não é familiar com a história da série, as
chances são de que você não terá a mínima ideia da gravidade ou da importância
de alguns dos eventos que acontecem ao longo da jornada de Big Boss.
Assim sendo, é preciso apontar que The Phantom Pain
apresenta uma linha narrativa surpreendentemente esparsa para os parâmetros de
Metal Gear.
Se nos jogos anteriores cutscenes tomavam grande parte do
tempo da história, em The Phantom Pain estas são uma exceção para a progressão
narrativa. É quase como se o jogo fosse uma antítese à Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots que chegava a contar com
cutscenes que facilmente ultrapassavam uma hora de duração.
Como alguém que acompanha a série há mais de uma década,
isso não deixa de ser um pouco decepcionante – afinal de contas, o jogo deixa
de apresentar aquela que é uma das maiores veias de Metal Gear.
Se os jogos anteriores exibiam uma estrutura
cinematográfica na apresentação da história (fruto da paixão de Kojima pelo
Cinema), The Phantom Pain possui uma formatação semelhante a uma série de TV,
com a trama dividida em episódios, com direito ao surgimento de créditos ao
início e fim de cada um destes.
A trama acaba aparentando esparsa devido ao fato de que na
grande maioria destes episódios acompanhamos Big Boss em missões menores, que
em pequeníssimas doses avançam a história central do jogo envolvendo a vingança
do protagonista. Fora isso, essa estrutura acaba às vezes machucando gravemente
o ritmo da história (especialmente próximo ao final do jogo quando você é
obrigado a repetir missões previamente completadas para desbloquear novos
episódios). Vale notar que tal problema infelizmente ainda acaba comprometendo
um pouco o momentum da história ao
rumo do último episódio, que surge de forma abrupta, lamentavelmente detraindo
um pouco da conclusão do jogo.
Na tentativa de preencher este “vácuo” narrativo ao longo
do jogo você vai adquirindo fitas de áudio que esclarecem algumas questões não
discutidas nas cutscenes tradicionais. Não é a melhor forma de descobrirmos
sobre mais da história, mas algumas vezes tais fitas até conseguem complementar
satisfatoriamente algumas questões.
É preciso apontar também que Metal Gear Solid V apresenta
uma história que é descaradamente incompleta, com pontas narrativas claramente
deixadas soltas sem a menor das explicações. O jogo na verdade contava com um capítulo final que amarraria várias destas pontas, mas que foi cortado do
game(sem dúvidas devido aos conflitos com a Konami, que provavelmente não
aceitou continuar injetando dinheiro no projeto e obrigou Kojima a encerrar a
produção mais cedo). A sensação final para alguém que acompanha a série
fielmente não deixa de ser um pouco decepcionante.
Dito isto, não é como se The Phantom Pain fosse isento de
“momentos Metal Gear”.
Metal Gear Solid V conta com um competente elenco de
personagens para guiar aquela que é a trama mais coerente em tom já apresentada
em qualquer jogo da série.
Pautado em uma história inicialmente embasada em vingança
pessoal, The Phantom Pain deixa de lado na maior parte do tempo o (fraco) humor
ocasional da série em virtude de uma narrativa que trata de temas pesados de
forma notavelmente eficaz, como questões existenciais fascinantes e as vezes
até mesmo sociais (como a militarização infantil).
Ao longo da jornada também somos apresentados a uma faceta
nova de personagens já previamente conhecidos.
Kiefer Sutherland encarna Big Boss como a versão mais
silenciosa que já vimos do personagem, substituindo (o insubstituível) David
Hayter de maneira surpreendentemente excelente, dando até um peso a mais de
humanidade ao protagonista. Ao seu lado, Robin Atkin Downes, interpretando
Miller, mais uma vez entrega um dos personagens mais chatos da série, ao passo
que Troy Baker concebe aquele que é mais carismático Ocelot até hoje (ainda que
valha notar que nenhum dos dois sejam minimamente desenvolvidos ao longo da
história).
Complementando o elenco com uma face nova, a bela Stefanie
Joosten compõe com necessária sutileza a fascinante Quiet, que apresenta aquele
que é, sem dúvidas, o arco narrativo mais bem resolvido de The Phantom Pain. É uma
pena, no entanto que a personagem seja vítima do lamentável costume de Kojima
de super-sexualizar suas personagens femininas, com o roteiro ainda tentando
apresentar uma patética explicação para a forma reveladora como a personagem se
veste.
Ainda que apresente uma linha narrativa esporádica e uma
resolução incompleta, The Phantom Pain é sem dúvidas uma das melhores histórias
que Kojima já contou, e em “típica maneira Metal Gear”, conta também com uma
das maiores e mais fascinantes reviravoltas na história da série.
JOGABILIDADE
Metal Gear sempre foi uma série que atraiu os jogadores
pela história, que sempre foi o destaque das obras de Kojima.
Em The Phantom Pain, este não é o caso para adentrar a
experiência.
Em Metal Gear Solid V, pela primeira vez na história da
série, quem toma os holofotes não é a narrativa, mas sim a jogabilidade.
The Phantom Pain é um dos jogos mais divertidos que já tive o prazer de jogar. Poucas vezes
me vi tão fascinado com a afinidade mecânica de um jogo em conjunto com seus
sistemas e componentes.
MGS V é uma obra-prima
inegável no campo do design de games. É a culminação de toda a experiência
de Hideo Kojima no tempo em que habita esta indústria.
Adotando pela primeira vez na série a estrutura de um jogo
de mundo-aberto, The Phantom Pain é uma obra que mergulha o jogador em alguns
dos espaços mais bem desenvolvidos em jogos do gênero para o desenvolvimento de
missões.
Com diversas ferramentas ao dispor de Snake, o jogo entrega
ao jogador apenas as peças para este criar suas próprias táticas de
infiltrações em bases/postes inimigos extraordinariamente bem concebidos. Tais
locações possibilitam sempre uma aproximação a 360º, no processo estimulando o
jogador a elaborar estratégias para a aproximação que mais lhe convir, seja no
silêncio total, ou “ a lá Rambo”, destruindo tudo e todos ao seu redor, ou
mesmo em qualquer nível entre os dois extremos.
Fora a infinidade de equipamentos disponíveis para Snake, o
protagonista ainda conta com companheiros para suas missões, cada um com suas
próprias habilidades específicas: D-Horse permite a travessia ágil pelo
mundo-aberto do jogo, D-Dog marca os inimigos a medida que você infiltra uma
base inimiga, atacando também ao comando de Big Boss, D-Walker, um robô caminhante,
permite uma aproximação ofensiva mais direta, e a sniper Quiet pode fazer o
reconhecimento avançado da posição de inimigos, atacando também sob o comando
do jogador quando preciso.
Cada um destes companheiros também conta com uma extensiva
progressão de habilidades, fazendo com que a companhia de cada um diferencie
notavelmente a aproximação que o jogador deve tomar em uma missão.
Fora o funcionamento mecânico excepcional do jogo, The
Phantom Pain volta a apresentar o sistema de manutenção da Mother Base
introduzido em Peace Walker. Porém, aqui, diferentemente de Peace Walker, que
muitas vezes frustrava e impedia o avanço do jogo, o sistema funciona
extraordinariamente bem, se tornando extremamente estimulante a medida que o
jogador avança no jogo, sempre impulsionando o desbloqueio de novas armas,
diversos upgrades e equipamentos novos. Isso tudo contribui para o
estabelecimento de um ciclo de jogo absurdamente viciante, fazendo com que você
se empenhe efetivamente em recrutar mais soldados e expandir sua Mother Base.
Toda esta excelência de mecânicas e design é amparada por
controles absolutamente responsivos e intuitivos, e movimentar Big Boss pelos
cenários nunca foi tão gratificante.
Ainda que o deserto Afeganistão e a selva africana não
sejam os espaços de mundo-aberto mais exploráveis já feitos, no sentido de “até
onde você vê, você pode ir”, ambos os mapas também fazem excelente uso da
disposição de locações para missões. E por mais que as estruturas destas não
variem muito (a maioria consiste na eliminação de algum alvo ou algo do tipo),
as aproximações e formas de se jogar são tantas, que é como se sempre há algo
diferente a tentar (e o jogo faz um trabalho extraordinário em encorajar a
criatividade).
Contando com horas e
horas de jogo (há tempos não despejava tantas horas em um game com tanta
facilidade), The Phantom Pain é o exemplo perfeito de jogabilidade emergente.
Com suas centenas de missões (50 principais e 157 paralelas), é normal
ultrapassar a casa das cem horas de jogo e ainda se ver descobrindo novas
maneiras de se brincar com seus sistemas.
The Phantom Pain é um jogo tão divertido de se jogar que é
impossível não recomendar para qualquer jogador. Mesmo quem não esteja familiar
com a trama da série, a jogabilidade afinadíssima do game já vale a
experiência.
Metal Gear Solid V é o ápice dos jogos de stealth, o que é apropriadamente
sintomático considerando que é a culminação do talento de Kojima que há 28 anos
se estabeleceu pioneiro do gênero no primeiro jogo da série.
Melhor que isto não fica.
APRESENTAÇÃO
Os jogos de Kojima sempre se mostraram visualmente
impressionantes para suas respectivas épocas de lançamento. Em Metal Gear Solid
V, a história não é diferente.
Ainda que seja limitado por suas versões para a última
geração de consoles, no panorama geral, The Phantom Pain é um jogo tecnicamente
impressionante.
Rodando a suavíssimos 60 quadros por segundo no Playstation
4, Xbox One e PC, a sensação de fluxo responsivo da jogabilidade fica ainda
mais evidente.
Os modelos dos personagens também são surpreendentemente
impressionantes, desde cicatrizes até detalhes pequenos na barba de alguém
demostram primazia técnica da equipe de artistas e programadores da Kojima
Productions. A captura dos movimentos faciais dos atores também contribui
notavelmente para a humanização dos personagens, muitas vezes passando mais
emoção às performances graças à tecnologia detalhista.
Como já era de se esperar de uma obra de Kojima, as
cutscenes do jogo se mostram estupendas em qualidade. O diretor talentosamente
atribui peso emocional as cenas simplesmente devido a sua concepção de planos
particulares (se mostrando um dos poucos diretores de fotografia destacáveis na
indústria), e é fascinante como atribui a própria câmera um status de
“personagem”, com esta mergulhando metodicamente pelos ambientes enquanto
acompanhamos a ação sob uma visão particularmente intimista.
A trilha-sonora de The Phantom Pain é algo merece a máxima
das atenções. Não só contando com mais uma impecável e primorosa trilha
original composta por Harry Gregson-Williams e Ludvig Forssell (que compõem
temas inesquecíveis como “Quiet´s Theme” e “Sins of the Father”), o jogo ainda
acerta ao máximo ao incluir canções licenciadas, com destaque para o
maravilhoso uso narrativo de “The Man Who Sold the World”. Por se passar na
década de 80, Kojima ainda tira proveito para incluir clássicos como “Take on
Me” e “Kids in America” que transmitem de forma fenomenal a vibe da época no qual o jogo se passa.
CONCLUSÃO
Metal Gear Solid V: The Phantom Pain é um jogo
extraordinário.
Apresentando uma trama madura (ainda que incompleta), que mergulha em
temas profundos e envolventes de forma coesa, The Phantom Pain é uma das obras
de Kojima mais marcantes no espectro narrativo e temático que trata.
É lamentável que a história concebida por Kojima não tenha
visto a luz do dia da forma como era originalmente pretendida. A sensação é
mais amarga ainda quando percebemos que este é realmente, ao que tudo indica, o
ultimo Metal Gear, e assim, dificilmente veremos algumas das pontas aqui
deixadas soltas serem amarradas um dia.
Apesar deste vazio que fica no coração dos fãs da série,
Kojima compensa com o melhor jogo de stealth
já concebido até hoje (e como um admirador incondicional do gênero, considere
esta uma afirmativa e tanto).
Com uma jogabilidade afinada ao máximo, MGS V é
recomendação certa até mesmo se fosse não acompanha a série, simplesmente por
que é impossível não apreciar tamanha excelência aqui apresentada.
Metal Gear Solid V: The Phantom Pain é fruto do refinamento
de três décadas das ideias de uma das maiores mentes da história dos videogames.
Confira a versão em vídeo de nossa análise abaixo:
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Sem Spoilers mas gostaria de saber se no final ele vira vilão pra se encaixar com o Metal Gear 1 fechando o buraco que tem no meio da série.
ResponderExcluirPrimeiramente obrigado pelo comentário :) E é difícil responder sua pergunta sem spoiler, mas fique seguro, o final encaixa no primeiro Metal Gear do MSX sim. De uma forma completamente inesperada, mas q eu achei particularmente genial. O jogo deixa pontas soltas com relação a outras situações, mas com relação a fechar esse ciclo, ele faz excelentemente.
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