quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Análise – Observer

A ficção-científica é um dos gêneros mais ricos e fascinantes que qualquer obra de ficção pode abordar. Podendo nos apresentar a futuros utópicos em que algum nível de “harmonia” foi atingido no conceito de humanidade, o gênero é também frequente e apropriadamente usado para nos introduzir a histórias que nos apresentam uma visão sombria e distópica do futuro – uma que, querendo ou não, parece muitas vezes ser a mais realista.
Observer, novo trabalho da Bloober Team (Layers of Fear), é uma obra que, indubitavelmente, se encaixa neste segundo padrão.
Esta sua inserção no gênero também não é uma surpresa, considerando as evidentes fontes de influência deste novo jogo do estúdio polonês, sendo a maior delas – tanto em nível visual, quanto temático – a obra-prima de Ridley Scott, de 1982, Blade Runner: O Caçador de Androides.
Adotando um estilo visual para a concepção de seu universo que evoca constantemente a Los Angeles daquele clássico, a metrópole polonesa de Observer é também uma banhada por intensas luzes de neon, chuvas incessantes, a predominância constante da noite e, é claro, é também habitada por figuras moralmente ambíguas.
De forma prática, um neo-noir em sua mais pura forma.
Passando-se no ano de 2084, Observer nos expõe a um futuro onde a grande corporação Chiron (pense uma análoga a Tyrell de Blade Runner) é a grande dominância em todas as áreas da sociedade – exercendo força política para oprimir e, basicamente, banir toda uma parcela da sociedade que denomina de “Classe C” para favelas e amontoados de prédios que gritam miséria ao redor das metrópoles.
Neste cenário, somos introduzidos a Daniel Lazarski (Rutger Hauer), um detetive já em fim de carreira que exerce a função daqueles que são conhecidos como “Observadores” – membros da polícia que têm a permissão de, essencialmente, “hackear” a mente de indivíduos, explorando suas memórias para efeito de investigações criminais.
Depois de receber uma misteriosa mensagem de seu filho, Lazarski é obrigado a investigar um complexo de apartamentos residente na área mais pobre da metrópole de Krakow, levando o, já há muito, desgastado detetive a uma jornada psicodélica e apavorante que o fará questionar o próprio conceito de “realidade” dentro daquele mundo.
Interpretado brilhantemente por Rutger Hauer (que também viveu o memorável vilão Roy Batty em O Caçador de Androides), Lazarski é a clássica persona de um protagonista neo-noir: aparentemente desgastado da própria existência e da crueldade que normalmente toma conta de seu cotidiano, o detetive busca nas drogas (aqui pílulas que “estabilizam” as redes neurais digitais na pessoa) a fuga para uma vivência suportável. Dono de atitudes moralmente ambíguas, o protagonista – como qualquer protagonista que se preze em histórias noir – também nos faz questionar com frequência suas decisões, tanto no âmbito pessoal, quanto nas investigações que prossegue.
Estas investigações, por sinal, ocupam boa parte da extensão de Observer. Encaixando-se na definição de um “jogo de detetive”, o game conta com extensas sequências de investigação de cenas de crime – com direito a exploração minuciosa de detalhes nos ambientes, como rastros de sangue e corpos violentamente dilacerados – além de requerer o clássico “bate porta” característico de histórias deste tipo, forçando o jogador a questionar os moradores daquele complexo um a um em busca de pistas para a resolução do mistério central da trama.
Por se tratar de um thriller investigativo é essencial então que Observer conte com ambientes minuciosamente detalhados – um aspecto que é indiscutivelmente preenchido pela equipe de designers e artistas da Bloober Team. Criando um mundo que parece credível em todos os cantos, as ambientações presentes no jogo – em especial o complexo de apartamentos no qual boa parte da história decorre – são sempre dotadas de detalhes que trazem a sensação de que aqueles ambientes são (ou já foram) habitados por alguém – seja por garrafas espalhadas pela sala, livros, armários lotados de utensílios e computadores pessoais, que através de e-mails, contam um pouquinho da personalidade de seu utilizador (e ajuda o fato dos ambientes serem lotados de objetos interativos para o jogador manipular e explorar a vontade). Infelizmente, todo este detalhamento vem a custo da performance técnica, e o jogo sofre constantemente para manter uma taxa de quadros por segundo estável, variando de taxas que vão desde fluídos 60 frames por segundo até insuportáveis 20 fps, muitas vezes gerando frustração e tornando algumas seções quase não jogáveis.
No grande escopo de seu mundo, Observer também impressiona e – apesar de sua identidade visual dever de forma descarada ao universo criado por Ridley Scott em Blade Runner (até a insistência em uma tecnologia parcialmente analógica é aqui preservada) – Observer mantém uma consistência visual que se sustenta de forma esteticamente chamativa dos grandes prédios iluminados por neons até as áreas mais pobres daquela cidade com seus amontoados de estruturas.
O que diferencia Observer de suas influências, no entanto, reside justamente em dos aspectos centrais de seu universo: a habilidade dos tais ditos Observadores de adentrar mentes. Compondo uma parte significativa da bizarra jornada que é esta de Daniel Lazarski, ao mergulhar nas memórias das vítimas que encontra pelo meio do caminho, adentramos juntamente com o detetive naquelas que são sequências que se mostram uma mistura surreal entre a psicodelia e o horror.
E aqui Observer demonstra ser um indiscutível exercício de gênero do Terror, concebendo passagens ao longo de sua duração que são apropriadamente confusas em seu estabelecimento visual (assim como em Layers of Fear, os ambientes estão sempre se alterando em tempo real) e apavorantes na tensão que constroem, fazendo deste novo trabalho do estúdio polonês, inquestionavelmente, uma das abordagens mais interessantes do gênero em um ano já povoado por outros esforços eficientes, como Resident Evil 7 Outlast 2.
Competente em prender a atenção do início ao fim, Observer ainda aborda questões interessantes (mesmo que não inéditas) acerca da natureza de nossas memórias, além de ser eficaz na concepção de seu futuro onde a tecnologia invasiva pode ser verdadeiro motivo de terror para aqueles que são, literalmente, entranhados por essa.
Em síntese, uma ficção-científica que deixaria não só Ridley Scott orgulhoso, mas como também qualquer um que tenha apreço pelo gênero.

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