sábado, 22 de fevereiro de 2014

Análise - The Last of Us Left Behind (DLC)

 Por: Luigi Wagner 
      
Oito meses depois de lançar o que foi considerado por muitos o melhor game de 2013 (e para alguns, até o melhor da geração), levando para casa 231 prêmios de Jogo do Ano (tornando-o o jogo mais premiado da história), a grandiosa Naughty Dog finalmente lançou na última sexta-feira, 14, o tão esperado DLC para a campanha principal de The Last of Us.
 
Suceder um sucesso destes não é uma tarefa nada fácil. Na verdade, é uma tentativa pra lá de arriscada. E é por isso que, por mais surpreso que esteja, não hesito em afirmar que Left Behind cumpre seu papel não só de forma eficiente, complementando a história principal de The Last of Us de forma extremamente bem realizada, mas também como é essencial para abranger a complexidade de sua protagonista (e co-protagonista de The Last of Us), Ellie.

*Nos seguintes parágrafos abordarei pontos importantes da trama tanto de The Last of Us, quanto de Left Behind. Portanto, se você ainda não terminou um dos dois é REALMENTE recomendável que os jogue antes de ler a análise. Depois sinta-se a vontade para voltar e lê-la!      

O ENREDO

Left Behind tem a trama dividida em dois momentos da vida de Ellie, sendo que ambos servem como uma forma de complementar a construção e a transformação da personagem, que na campanha principal conhecemos como uma garota que, apesar de possuir apenas 14 anos de idade, não desconhece os perigos de se viver em um mundo devastado por uma pandemia que transformou a maior parte da população mundial em corpos habitados por fungos que não hesitam em “avançar” em qualquer alma viva que passe por perto (os conhecidos como “Infectados”).

A primeira parte da história, contando eventos prévios a The Last of Us, foca na relação entre Ellie e sua amiga Riley. Passando-se quase que integralmente dentro de um shopping, o contexto dá espaço à uma versão distorcida (e interessante) de “duas garotas que decidem ir ao shopping”. Considerando que o lugar se encontra devastado e abandonado de qualquer tipo de agitação que um shopping nos traz a mente, a história mostra que mesmo em um mundo desolado por uma praga há quase 20 anos, duas garotas adolescentes não deixam de lado uma eventual diversão que o ambiente pode proporcionar, por mais adversa que esta possa parecer.

Assim, a DLC acaba por trazer um lado bem mais “jovial” e descontraído daquelas personagens do que The Last of Us havia apresentado, dando lugar à sequências memoráveis por se tratarem apenas de uma diversão casual que duas garotas nunca tiveram a chance de experienciar, por mais banal que seja. Uma dessas sequências consiste numa simples “zoação” dentro de uma loja de fantasias, onde Ellie e Riley experimentam máscaras de Halloween e brincam de “prever o futuro” com uma cabeça de caveira que ali encontram, sendo que o momento é pontuado pelo divertidíssimo roteiro que deixa claro a essência da amizade das duas personagens.

Há muitos outros momentos adoráveis como este, seja quando as garotas decidem dar um passeio num carrosel abandonado, quando Ellie decide contar uma leva de piadas de seu livrinho de trocadilhos e a ótima cena da seção de fotos que as amigas decidem fazer em uma pequena cabine que ali encontram. E ainda há ainda a EXCELENTE sequência do fliperama arcade, que por mais estranha que seja, é espertamente realizada a ponto de não parecer minimamente deslocada do clima e do tom que a Naugthy Dog pretendia passar.

A segunda parte da história, que acaba entrelaçando com a narrativa-foco sobre Ellie e Riley, trata de um período particularmente impactante para todos aqueles que experienciaram The Last of Us: os eventos entre o Outono e o Inverno, mostrando um pouco de como Ellie cuidou de Joel depois dos eventos que decorreram durante o outono. As seções referentes à este período da narrativa não são o foco principal da DLC, ainda assim funcionam como uma importantíssima amostra de como os eventos envolvendo a trama principal de Left Behind afetarão Ellie, a moldando na personagem como conhecemos no jogo principal.

A dinâmica usada para contar a história, alternando entre os dois períodos da vida de Ellie, é perfeitamente conduzida, resultando em uma trama que fluí naturalmente e em um ritmo pontuado de forma a manter o jogador interessado até o fim. Mesmo já sabendo do que este se trata.

E este é provavelmente um dos maiores triunfos de Left Behind. Por mais que já saibamos o trágico fim da história de Ellie e Riley (que descobrimos na ultima cena de The Last of Us), a tensão da narrativa nunca é diminuída, uma vez que estamos sempre preocupados com o que vai ocorrer no momento seguinte, o que é claramente ressaltado pela sensação de perigo iminente a cada passo que as amigas dão. Pode ser um clichê, mais aquele velho ditado de que “não é sobre o fim, mas sobre a jornada” pode ser aplicado aqui coerentemente.
PRODUÇÃO

Mais uma vez GENIALMENTE escrito e dirigido por Neil Druckmann e Bruce Straley, o roteiro de Left Behind ainda possuí o que fez The Last of Us brilhar tanto: A sutileza na forma de contar a história, sem ficar martelando informações óbvias na cabeça do jogador. A narrativa continua a ser incrivelmente desenvolvida através de mecanismos da própria jogabilidade, sem tirar o controle do jogador para se cortar para uma cutscene. Tal fato torna completa ignorância aquilo que alguns insistem em afirmar: que The Last of Us é “mais um filme do que um jogo”. Na verdade, tanto The Last of Us, quanto agora Left Behind, são os melhores exemplos que já vi em meus mais de 12 anos como gamer de como a interatividade pode ser uma chave extremamente eficiente para se contar uma história.

Mas o sucesso de Left Behind não pode ser atribuído exclusivamente aos diretores do jogo. Na verdade, um dos maiores motivos (se não o maior!) que faz com que a história funcione é a dinâmica existente entre Ellie e Riley.

Ashley Johnson reinterpreta Ellie aqui mais uma vez de forma absolutamente incrível, dando credibilidade, auto-suficiência e carisma à personagem, se mostrando novamente digna de mais e mais prêmios (fora as dezenas que já levou por sua performance em The Last of Us), provando ser uma das mais talentosas atrizes da indústria. Ao lado de Johnson, estrela a novata Yaani King, interpretando Riley com uma notável força, mostrando-se concisa e decidida com relação a seus princípios, sem nunca tender demais para o lado de “brigona”, tornando a personagem o mais humana o possível.
A química existente entre as atrizes em cena é palpável. As performances de Johnson e King realmente passam o sentimento da amizade de Ellie e Riley. Por conta disto afirmo sem qualquer ignorância ou falta de consideração: Left Behind ( e obviamente, The Last of Us ), DE FORMA ALGUMA (Repito, DE FORMA ALGUMA) deveria ser experienciado sem que seja em seu áudio original. Não importa o quão boa uma dublagem possa parecer, os atores que estão fechados em uma cabine lendo falas em um papel em frente a um microfone (por mais respeito que eu tenha aos dubladores) nunca passarão o peso, o tom e o sentimento que um ator que está encenando ao vivo, atuando, e movimentando em cena (o benefício trazido pela tecnologia de Motion-Capture) passa durante uma performance. Por isso aconselho ARDUAMENTE a experienciarem Left Behind em seu áudio original: o inglês (é pra isso que existem legendas, ora!), do contrário perderão as verdadeiras performances que foram pretendidas durante o desenvolvimento do jogo.

A JOGABILIDADE

No aspecto da jogabilidade, Left Behind incentiva o jogador a evitar o combate direto sempre que possível. Enquanto nas seções que se passam no shopping com Ellie e Riley o combate é quase que inexistente (favorecendo a exploração e a interação in-game), as partes que se passam no período do outono na história dão uma “cara nova” aos confrontos, colocando inimigos humanos e Infectados no mesmo espaço e estimulando o jogador a colocar os dois grupos em combate um com o outro. É uma mecânica interessante e que pode dar origem a momentos realmente surpreendentes dependendo de como o jogador optar por aproximar os conflitos.

Mas a jogabilidade realmente brilha quando usada em conjunto com a narrativa, não necessariamente em combate, mas se utilizando de mecânicas que no jogo original utilizávamos em meio aos conflitos e as adaptando aqui para um contexto totalmente diferente, como por exemplo, utilizar tijolos para brincar de “quebrar as janelas de um carro” ao invés de usá-los para, bem... quebrar a cara de alguém. Ou mesmo na brincadeira com as arminhas de água, que utilizam do sistema de tiro criado para o jogo, mas que aqui são usadas com uma simples conotação infantil e não violenta. É este casamento entre narrativa e gameplay que torna Left Behind tão especial.



A APRESENTAÇÃO

No aspecto técnico, Left Behind mais uma vez apresenta um trabalho excepcional. Desde o design de som calculista, ao visual que é indiscutivelmente melhor apresentado que a grande maioria dos títulos de PS4 e Xbox One até o momento, o jogo nunca deixa de brilhar. Há momentos que você simplesmente para e procura absorver tudo aquilo que o ambiente tem a oferecer. 


E não são só os cenários que merecem aplausos pela atenção ao nível de detalhes. A equipe de animação novamente fez um trabalho invejável com as animações faciais, tornando possível a percepção de emoções das personagens através de simples olhares ou de um franzir de testa. 
Junta-se a nova leva de músicas excepcionalmente compostas por Gustavo Santaolalla para a trilha sonora, e temos um design de produção geral atencioso e invejável a muitos jogos inteiros por ai no mercado.

*Tomarei os próximos parágrafos para abordar de forma sucinta as polêmicas envolvendo as partes finais da história, portanto SPOILERS CONSIDERÁVEIS se seguem. Continue apenas se você já terminou Left Behind! Você foi avisado....

[INÍCIO DOS SPOILERS]



O BEIJO

Um dos maiores geradores de discussões envolvendo Left Behind tem sido o beijo que Ellie dá em Riley nos momentos finais da história. Infelizmente o motivo das discussões têm sido quase sempre fundamentados em princípios preconceituosos e limitados. Afinal de contas, se Riley fosse um garoto, e não uma garota, nem precisaria estar abordando o momento aqui. Mais como sinto que é necessário mostrar para outros a importância da decisão dos roteiristas de terem incluído o momento na história, pretendo esclarecer e contrariar certas idéias que são demasiadas conservadoras para uma mídia tão diversa como a dos games.
A história inteira de Left Behind foca na importância e na força que reside na amizade de Ellie e Riley. Desde o início é perceptível que as amigas se dão muito bem uma com a outra e que nutrem carinho e confiança em sua amizade. Mesmo as duas estando constantemente tirando sarro uma com a outra, é notável que estão sempre preocupadas com o bem estar também.

O fato é que as duas amigas estão sozinhas naquele mundo, sem qualquer suporte ou carinho de qualquer outro ser humano. Naquele mundo, a única demonstração de afeto já experienciada pelas duas garotas é entre elas mesmas. Dessa forma, não é nada anormal que Ellie expresse seu amor (seja este romântico ou platônico) por Riley (ou vice-versa) de forma extendida. É completamente entendível, especialmente se considerarmos que ambas se encontram numa fase da vida repleta de incertezas e dúvidas, a adolescência.
Como já disse, se Riley fosse um garoto o assunto nem estaria em pauta, mas como vivemos no mundo em que vivemos, é preciso defender decisões criativas corajosas como esta, especialmente no cenário de jogos AAA (Triple A/ou jogos “multi-milionários”). Se a decisão contribui para o desenvolvimento da personagem (como aqui INEGAVELMENTE contribui), não há motivos para deixá-la fora da história.
O amor de Ellie pela a amiga de forma alguma diminui a grandeza da personagem como alguns têm insistido em afirmar. Muito pelo contrário, só a torna mais interessante.

DEIXADAS PARA TRÁS

Para fechar, só gostaria de abordar brevemente o fim da história, que tem sido chamado de “repentino demais” por algumas pessoas. Ao contrário da polêmica relativa ao beijo discutida acima, aqui é mais uma questão de impressão própria, e não de “certo ou errado”.

Do ponto de vista narrativo, não consigo encontrar problemas com a forma de como a história foi encerrada. Acredito ter sido uma conclusão mais que eficaz para a história de Ellie e Riley, uma vez que seguiu a ideologia contínua de Neil Druckmann e Bruce Straley, de que se pode consiguir “mais com menos”. Uma ideologia corajosa e eficiente que opta pela sutileza ao invés do “super-explicativo”.






A escolha de não nos mostrar os momentos finais de Riley com Ellie nós faz preencher a história com nossas próprias ideias, e assim, acabamos preenchendo da forma como achamos mais adequada, algo que sem dúvida alguma varia de pessoa para pessoa. Dessa forma, pode ser que você imagine a conclusão da história de uma forma muito mais satisfatória pessoalmente do que a que poderia ter sido originalmente incluída. Não é um método preguiçoso, mas sim abrangente criativamente.

[FIM DOS SPOILERS]



O VEREDITO


The Last of Us: Left Behind é uma das mais bem feitas adições a história de um game até hoje desde que os DLCs se popularizaram. O preço de R$ 30 de maneira alguma é um exagero, considerando que estas são três horas que dificilmente serão igualadas por qualquer jogo em suas dezenas de horas até o fim do ano.

Se você possui um PS3 e possui The Last of Us, Left Behind é mais que uma obrigação em catálogo.

                                                                          NOTA:      

                                  

3 comentários:

  1. muito bem abordado parabens realmente e show de bola essa dlc, 30.00 bem investido !!

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  2. Em relacao ao beijo concordo com sua opiniao. Temos que levar em consideracao tambem que sao diferentes as ordens sociologicas. Em um mundo onde se morre mto, a questao de reproducao aflorece em idades mais baixas assim como independente do sexo. Ja que Ellie tbm foi mto blindada. Essa sexualidade indefinida e "confusa" esta no proprio dlc em que ela chama um cara de bonito. É sociologia...

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