segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Uma análise do Oscar 2018: Do pior ao melhor

O Oscar nunca deve ser levado como um indicador certeiro de qualidade para a Sétima Arte.
Apesar de ser o prêmio de maior destaque, provavelmente, da indústria do entretenimento como um todo, a premiação feita pela Academia de Artes e Ciências é, acima de tudo, política.
Além das comuns campanhas que vários dos grandes estúdios fazem pelos seus filmes todos os anos, o sistema de votação para o Oscar é também, no mínimo, peculiar: levando em conta a ordem de preferência dos filmes indicados por cada membro votante, a votação, ao invés de favorecer os filmes mais votados, favorece aqueles menos desgostados – ou seja – não é o melhor filme que prevalece, mas sim aqueles que menos ficaram ao final das listas de votação.
Apesar disso tudo, ainda assim, é inegável: o Oscar é uma premiação extremamente divertida de se acompanhar. Seja pelo fato de ser revigorante ver alguns dos melhores filmes do ano serem reconhecidos apropriadamente, seja pelo fato de ser simplesmente instigante tentar prever os resultados do prêmio (e prever os vencedores de cada categoria é muito mais fácil do que você imagina – bastando observar de perto as premiações dos sindicatos que o precedem [e não, a piada denominada de Globo de Ouro não é uma delas]).
Neste aspecto, o Oscar 2018 (marcado para o próximo domingo, dia 4), não será muito diferente.
Com uma cerimônia que terá a chance de tentar reverter ao menos um pouco a aparência manchada de Hollywood estabelecida neste último ano (em meio aos mares de acusações de assédio envolvendo vários de seus grandes nomes, como Kevin Spacey, Harvey Weinstein e Louis C.K.), o Oscar deste ano não deve evitar alfinetadas em membros da própria Academia.
Contando com uma seleção de filmes talvez um pouco mais consistente do que em anos passados (apesar de esnobadas absurdas, como a ausência de filmes como Blade Runner 2049Projeto Flórida Doentes de Amor nas indicações), a maioria dos filmes da lista a seguir poderia ser facilmente intercalada entre si, uma vez que além de variados em estilos, também são em grande parte igualmente admiráveis na execução de suas propostas.
Assim, sob certo grau de objetividade (e com uma boa dose de subjetividade), confira uma breve análise dos indicados ao Oscar de Melhor Filme neste ano, da clássica maneira, “do pior ao melhor”:
9 – Dunkirk (Dunkirk)
Diretor: Christopher Nolan
Também indicado a: Melhor Diretor, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Fotografia, Melhor Montagem, Melhor Mixagem de Som, Melhor Direção de Arte, Melhor Edição de Som.
Retratando os esforços das tropas britânicas e francesas para evacuar as praias de Dunkirk no decorrer do avanço da Alemanha sobre a França durante a Segunda Guerra, Dunkirk tem seu foco dividido em múltiplos eventos e grupos de indivíduos durante aquele conflito, seja acompanhando os soldados e sobreviventes através da terra, do mar ou dos ares.
Sendo acima de tudo um exercício técnico do diretor Christopher Nolan, usando o conflito em questão para a demonstração de suas aspirações cinematográficas, Dunkirk, ao mesmo tempo em que eleva ao máximo o uso de algumas das estratégias vistas em outros filmes do cineasta, também vai na contramão de algumas das convenções que viemos a esperar do mesmo.
Assim, se o filme consiste essencialmente em uma extensa montagem paralela que normalmente habita apenas o clímax de suas obras (vide A Origem, O Cavaleiro das Trevas, Interestelar…), no âmbito de seu roteiro, Dunkirk vai contra as tendências super-expositivas dos trabalhos de Nolan – no lugar priorizando a ação em detrimento dos diálogos.
Impressionante do ponto de vista puramente técnico e de seu design de produção (figurinos, cenários e até mesmo maquinários advindos da 2ª Guerra são usados no filme), Dunkirk não demonstra ser muito mais que isso, se cimentando como não só a conceitualmente mais fraca obra da carreira Nolan até hoje (que infelizmente tem apenas deslizado ladeira abaixo desde O Cavaleiro das Trevas Ressurge), mas também a menos interessante como entretenimento.
O mais lamentável, no entanto, é o fato de que, apesar de ser admirável ver o diretor experimentar com a linguagem do Cinema em Dunkirk através de sua montagem continuamente paralela, é justamente esta que se apresenta como a maior fonte dos problemas do filme: impedindo nossa ligação com quaisquer dos personagens participantes daquele conflito (e nossa consequente falta de empatia para com seus dilemas), a falta de equilíbrio entre todas as “vinhetas” que acompanhamos em Dunkirk também sacrifica boa parte da tensão que o filme tenta construir, afinal de contas, mais do que ocasionalmente somos apresentados a sequências que já sabemos da resolução por termos acompanhado a mesma através de um ponto de vista diferente em outro momento da projeção (fora o fato de ser extremamente enfadonho ter que assistir ao mesmo evento, três ou até quatro vezes).
Fracassando também ao tentar evocar o melodrama naquela subtrama envolvendo os personagens de Cillian Murphy e Mark Rylance no barco de evacuação particular deste último, Dunkirk reforça a impressão já claramente demonstrada em Interestelar de que Christopher Nolan é um diretor que simplesmente obtém mais sucesso quando não atenta a construção de dramas interpessoais (já que suas virtudes claramente residem no trabalho de conceitos ao invés do drama), falhando em trazer qualquer tipo de emoção como obviamente procurava evocar.
Empalidecendo diante de vários outros filmes do gênero como O Resgate do Soldado Ryan ou Platoon, Dunkirk é mais um alerta de que Nolan talvez devesse repensar sobre como voltar a aplicar suas verdadeiras virtudes no Cinema da forma como o fazia tão bem durante a última década.

8 – O Destino de Uma Nação (Darkest Hour)
Diretor: Joe Wright
Também indicado a: Melhor Ator, Melhor Fotografia, Melhor Figurino, Melhor Direção de Arte, Melhor Maquiagem e Penteado.
Tendo início em maio de 1940, O Destino de Uma Nação acompanha os primeiros trinta dias da administração de Winston Churchill (Gary Oldman) à medida que o Primeiro-Ministro é pressionado a fazer um acordo com Hitler e estabelecer a Grã-Bretanha como parte do território do Terceiro Reich, durante a Segunda Guerra.
Provavelmente o filme mais genérico da lista de indicados deste ano (ao menos analisando sob o contexto da temporada de premiações), O Destino de Uma Nação transparece mais ser uma vitrine para a exposição da (fantástica) performance de Gary Oldman como o icônico Primeiro-Ministro do que uma análise aprofundada de seu personagem central ou de suas políticas.
Dessa forma, o filme de Joe Wright faz pouco para trazer novas perspectivas ou insights acerca da mítica e divertida figura que era Churchill, se contentando então em apenas acompanha-lo de forma branda.
Tendo sucesso quase que exclusivamente devido a excelente performance principal de Gary Oldman – que faz questão de encarnar o Primeiro-Ministro com todos os seus trejeitos, maneirismos e dicção particular, O Destino de Uma Nação também impressiona na sua recriação histórica do contexto que o embasa e no trabalho formidável de maquiagem em seu protagonista (e o Oscar de Melhor Maquiagem para a produção já é uma certeza, por sinal).
No resto de seus exercícios, porém, O Destino de Uma Nação não faz muito para sair do lugar comum, contando com um roteiro que não poderia ser mais básico no quesito de retrato de uma figura histórica – demonstrando então pouquíssimo esforço para fazer jus a fascinante figura que o carrega.
7 – The Post: A Guerra Secreta (The Post)
Diretor: Steven Spielberg
Também indicado a: Melhor Atriz.
Acompanhando um grupo de jornalistas do Washington Post, em 1971, The Post, novo trabalho de Steven Spielberg, retrata os esforços dos mesmos em investigar uma série de mentiras e segredos guardados pelo governo norte-americano ao longo de décadas, enquanto a administração Nixon ameaça processar a publicação com todas as forças possíveis.
Situando-se no gênero dos “thrillers de jornalismo” estabelecido pelo fabuloso Todos Os Homens do Presidente, em 1976 (um filme que veio a se tornar sessão obrigatória em qualquer faculdade de Jornalismo que se preze), The Post é possivelmente o mais relevante dos indicados ao Oscar de Melhor Filme neste ano – ao menos do ponto de visto temático.
Retratando a objetividade jornalística com uma eficiência cinematográfica que Spielberg não exibia em anos (tornando o longa indiscutivelmente instigante, apesar de sua natureza medida), The Post traz a tona também a atual questão da ignorância de boa parte da população a quaisquer esforços do jornalismo midiático, de forma que, se há vários motivos para se desconfiar de grandes veículos midiáticos em tempos como estes, a solução mais saudável certamente também não é se manter surdo a todos aqueles que ainda, de fato, exercem o jornalismo como uma necessidade social (e basta recorrer a entidades como o The Intercept ou ao próprio Post para constatar que ainda há jornalismo objetivo e imparcial em atividade).
Dessa forma, ao observarmos o comportamento agressivo e manipulador da administração Nixon na época, ao insistir em apontar todas as notícias acerca de seu governo como “fraudulentas e mentirosas”, é no mínimo importante repararmos também em figuras políticas contemporâneas que fazem questão de apontar como “fake news” quaisquer constatações jornalísticas que não vão de encontro com suas políticas. E sabemos muito bem o desfecho que teve Nixon…
Contando também com um elenco extraordinário (Hanks, Streep, Paulson, Odenkirk e companhia, todos brilham em tela), The Post é não só o melhor filme de Spielberg em mais de uma década, mas também um exercício extremamente competente do gênero do qual faz parte.
6 – A Forma da Água (The Shape of Water)
Diretor: Guillermo del Toro
Também indicado a: Melhor Atriz, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Diretor, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia, Melhor Montagem, Melhor Figurino, Melhor Mixagem de Som, Melhor Direção de Arte, Melhor Edição de Som.
Elisa (Sally Hawkins) é uma faxineira que trabalha em um laboratório norte-americano usado para experimentos secretos, na década de 60, que passa um dia a abrigar uma espécie de “homem anfíbio” (Doug Jones) em cativeiro. Muda, a mulher passa a se comunicar através de gestos com a criatura, eventualmente se apaixonando por esta e procurando uma forma de salvá-la depois de descobrir que os cientistas e a segurança do local pretendem sacrificar o anfíbio.
Encantador de uma forma que apenas um diretor como Guillermo del Toro teria a capacidade de conceber – com sua estranheza e tato para belezas particulares – A Forma da Águademonstra um universo que, apesar da violência constante que parece carregar, não deixa também de demonstrar um charme quase sempre característico de fabulas infantis.
Assim, o universo retratado por del Toro (quase sempre mergulhado em verdes pesados) é um daqueles raros exemplos de mundos criados para a ficção capazes de transportar o espectador para realidades que poderiam transparecer absurdas nas mãos de criadores menos talentosos, mas que no comando de um indivíduo visionário como o diretor mexicano, exalam uma legitimidade que inevitavelmente encanta.
E apesar do impecável design de produção de A Forma da Água ser sua qualidade mais chamativa (uma constante nos trabalhos de del Toro), a história que o filme conta também faz jus ao visual que a traduz. Eficiente em estabelecer a relação de Elisa com a criatura, A Forma da Água consegue criar um laço de empatia inquestionável do espectador para com seus personagens e conflitos, fazendo com que torçamos frequentemente por seus sucessos e lamentemos por seus fracassos.
Possuindo ainda um elenco uniformemente talentoso (Hawkins, sem uma linha de diálogo, transforma a protagonista em uma figura ao mesmo tempo forte e adorável, Jenkins traz o calor característico de suas performances para o melhor amigo da personagem principal e Shannon evita transformar seu vilão em uma figura caricata), A Forma da Água é mais uma demonstração do olhar singular que del Toro tem para o Cinema e, acima de tudo, da inesgotável paixão do diretor pela arte que conduz.
5 – Corra! (Get Out)
Diretor: Jordan Peele
Também indicado a: Melhor Ator, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original
Que o terror seja constantemente usado como alegoria política para discussões sociais não é surpresa alguma.
Da filmografia de George A. Romero em Despertar dos Mortos ou A Noite dos Mortos Vivos, até obras como Candyman Psicopata Americano, o horror é mais que apropriadamente empregado para discutir temas controversos com a habilidade de gerar um desconforto calculado de acordo com seu embasamento temático.
Dito isso, a maioria das obras que trafegam tais tipos de discussões tendem a fazer tais comentários de maneiras relativamente sutis – e se Corra! indiscutivelmente se mostra como um exercício de gênero do terror, o filme da estreia de Jordan Peele na direção dificilmente evita ser explícito nos comentários que faz.
Depois de aceitar o convite da namorada (Allison Williams) para passar o fim de semana na casa dos pais da garota em algures do Sul dos Estados Unidos, o jovem Ryan (Daniel Kaluuya) não demora para perceber que há algo de tremendamente perturbador naquela família e em seus outros convidados.
Utilizando de sua premissa para escancarar a prominência do racismo velado ao invés daquele óbvio, Corra! é essencialmente um “tapa na cara” daqueles que insistem em alegar que o racismo não mais existe. Assim, não é anormal vermos vários dos personagens brancos do filme constantemente se gabarem por “justificativas” estúpidas para a ausência de um possível comportamento racista, como o pai da namorada do protagonista, que faz questão de mencionar que votou em Obama duas vezes ou um de seus convidados que procura salientar para Ryan sua admiração por “pessoas de sua cor”, como Tiger Woods.
Extremamente eficiente ainda em seu exercício de gênero, Corra! concebe passagens que exalam um senso de desespero palpável por emular no espectador o mesmo sentimento de desalento de seu protagonista, como aquela compreendendo uma “sessão” de hipnotização ou então aquela envolvendo sirenes de um carro policial que evocam o desespero ao invés de uma tranquilidade esperada.
Do mais, como fã incondicional do Terror, confesso que é também um tanto revigorante ver o gênero representado nas maiores premiações do ano – especialmente com um exemplar tão admirável como é este filme de Jordan Peele.
4 – Trama Fantasma (Phantom Thread)
Diretor: Paul Thomas Anderson
Também indicado a: Melhor Ator, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Diretor, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Figurino.
Nos anos 1950, o renomado estilista Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis) é responsável por vestir grande parte da realeza e elite britânica. Se envolvendo com várias mulheres ao longo de sua carreira (sempre utilizando estas como suas inspirações artísticas de acordo seu humor em cada época), Woodcock acha na humilde garçonete Alma (Vicky Krieps) aquela que pode ser a “mais especial” de suas musas.
Acompanhando o desenvolvimento de uma relação que, devido à natureza ignorante, agressiva e prepotente do indivíduo contrastada com a personalidade contestadora e carente da moça, parece caminhar a um rumo explosivo, Trama Fantasma é um vislumbre sem escrúpulos em um relacionamento abusivo coordenado por um indivíduo que, esgotado da “inspiração” de sua musa, só volta a enxergar valor nesta quando é contraposto com o mesmo nível de hostilidade por sua parceira.
Vivendo o protagonista com primazia costumeira, Daniel Day-Lewis oferece mais uma performance (ao que tudo indica, sua última) que dá espaço para o ator desaparecer em seu papel, compondo em Woodcock um indivíduo que, apesar de se mostrar firme e aborrecido na maior parte do tempo, também sugere uma vulnerabilidade notável, dando dimensão a um personagem que poderia se mostrar insuportável nas mãos de alguém menos talentoso. Enquanto isso, Krieps constrói em Alma uma mulher que vai gradualmente deixando sua timidez e humildade de lado, transformando-a em uma figura que é capaz de enfrentar seu parceiro até mesmo nos mais intensos de seus humores (e que a atriz consiga se segurar em cena com Day-Lewis, diz muito sobre sua competência).
Estabelecendo uma relação constante e complexa de jogos de poder, Trama Fantasma é mais um trabalho primoroso (de uma filmografia já invejável) do mestre Paul Thomas Anderson, demonstrando a capacidade ímpar de um diretor que tem o domínio de contar histórias com premissas simples, mas com olhares sempre multifacetados.
3 – Lady Bird: A Hora de Voar (Lady Bird)
Diretor: Greta Gerwig
Também indicado a: Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original
Acompanhando a jovem Christine McPherson (Saoirse Ronan), que exige ser chamada por todos por seu (auto-intitulado) nome de “Lady Bird”, em seu último ano no colegial, Lady Birdretrata todos os dramas característicos da adolescência na vida garota: de seu primeiro namorado, suas aspirações a popularidade escolar até seus dilemas com seus pais sobre a expectativa da ida a universidade, o filme segue a risca várias das convenções temáticas de filmes do gênero coming of age (essencialmente histórias que retratam o intervalo entre o fim da adolescência e o início da vida adulta).
E apesar de se situar inconfundivelmente neste espectro, é impossível não se deixar cativar por sua jovialidade e honestidade dramática.
Escrito e dirigido por Greta Gerwig (em sua estreia na direção solo), Lady Bird surpreende ainda mais por demonstrar tamanha maturidade na abordagem de seus delicados temas considerando o comando de sua diretora (que na frente das câmeras sempre teve a tendência a interpretar “meninas em corpos de mulheres”, com seus particulares maneirismos infantis). Assim, Lady Bird inevitavelmente encanta justamente devido ao olhar íntimo e doce da diretora, que demonstra saber exatamente o que faz de sua história e os personagens que acompanha especiais.
Exibindo também uma disciplina e dinamicidade imensa em seu roteiro e em sua montagem, Gerwirg consegue criar uma diversidade de momentos comicamente eficazes (aquela gag envolvendo os pés da protagonista é particularmente genial), adotando também a divertida estratégia de cortar múltiplas vezes para conversas já em andamento entre dois personagens para a provocação de risos.
Extremamente competente e econômico também na forma como transparece a vulnerabilidade de certos personagens durante seus diálogos e confrontações, Lady Bird reconhece que o constante conflito que temos com outras pessoas durante as fases formadoras de nossas vidas nem sempre implicam que estas pretendiam nos machucar de alguma forma, mas apenas nos ajudar neste processo árduo que é se tornar um adulto (e a relação entre a protagonista e sua mãe é retratada de forma dolorosamente genuína neste aspecto).
Beneficiado ainda por uma performance central fantástica por Saoirse Ronan, que encarna com eficácia a personalidade forte da protagonista contrastada às dúvidas inerentes de sua formação como alguém para o mundo, Lady Bird é um filme que evoca várias das emoções características do fim da adolescência, seja nos fazendo rir, chorar, ou por simplesmente inspirar um calor de uma fase da vida tão repleta de possibilidades.
2 – Três Anúncios para Um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri)
Diretor: Martin McDonagh
Também indicado a: Melhor Atriz, Melhor Ator Coadjuvante (2), Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Roteiro Original, Melhor Montagem.
Inconformada com a aparente inação dos policiais da pequena Ebbing, Missouri, em achar um culpado pelo estupro e assassinato de sua filha ocorrido há sete meses, Mildred Hayes (Frances McDormand) decide assumir controle das conversas e compra três anúncios em uma vazia estrada da cidadezinha, confrontando e questionando diretamente o Delegado Willoughby (Woody Harrelson) sobre a ineficácia das investigações.
Rodado por Martin McDonagh quase como um western que poderia também facilmente fazer parte da filmografia dos irmãos Coen (Onde os Fracos Não tem Vez, Fargo), Três Anúncios para Um Crime nos apresenta a um universo onde parece não existir esperança para quaisquer de seus habitantes – sendo qualquer traço aparente desta constantemente sabotado pela violência inata que parece praguejar a vida de todos seus personagens, de uma forma ou de outra. Dono de um senso de humor também afiado (que frequentemente vem da própria violência), o filme é também eficaz em provocar o riso de forma constante (mesmo que, às vezes, não nos sintamos bem em compartilharmos deste).
Esta dança versátil entre o drama e o humor é, por sinal, provavelmente o maior dos méritos deste novo trabalho de McDonagh, que consegue evocar no espectador a maior das agonias sentidas por seus trágicos personagens e ao mesmo tempo rirmos de seus absurdos – situando estes em um meio termo entre o caricato e o real, nos possibilitando o choque por suas ações e, ao mesmo tempo, nossa compreensão por seus dilemas.
Possuindo ainda um trio de elenco absolutamente excepcional (possivelmente a melhor formação do último ano), Três Anúncios para um Crime tem em sua protagonista – vivida por Frances McDormand de forma magistral – uma mulher de maneiras fortes, mas que não hesita em cair aos pedaços quando confrontada com as maiores de suas aflições, ao passo queWoody Harrelson encarna Willoughby com imenso carisma e humanidade (e uma cena em particular já seria o suficiente para render o merecido Oscar para o ator neste ano), impendindo que criemos qualquer rancor pelo indivíduo – mesmo que, a princípio, se estabeleça como o antagonista de nossa protagonista. Contando ainda com um trabalho admirável por parte de Sam Rockwell, que vive o racista e temperamental policial Jason Dixon, a construção do papel por parte do ator (e do impecável roteiro que embasa este filme) é feita com delicadeza o suficiente em seus momentos mais medidos, de maneira que, apesar de não perdoarmos o indivíduo por suas atrocidades, é impossível também não compreender de onde o rapaz adquiriu seu comportamento violento.
Igual partes tocante, provocativo e bem humorado, Três Anúncios para Um Crime é uma obra que transita com eloquência entre suas várias batidas narrativas, com a constante de manter o interesse do espectador sempre ininterrupto na brutal história que nos conta.
1 – Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name)
Diretor: Luca Guadagnino
Também indicado a: Melhor Ator, Melhor Roteiro Adaptado.
Proporcionais à intensidade das paixões que as precedem, as maiores dores resultantes da ciência de nossa dependência de outro alguém normalmente são vistas como meros efeitos colaterais dos relacionamentos que vivenciamos.
Pois Me Chame Pelo Seu Nome, novo trabalho do italiano Luca Guadagnino, em sua intrínseca sensibilidade, reconhece que mesmo as mais profundas angústias resultantes do ato de se entregar a alguém tendem a ter seu valor emocional, uma vez que, como apontado no belíssimo monólogo pelo personagem de Michael Stuhlbarg ao final do filme, “vinculada a esta dor, encontra-se a alegria do que um dia foi sentido”.
Rodado sob o pano de fundo de atraentes paisagens italianas (com cores quentes que ressaltam a sensualidade de sua história), Me Chame Pelo Seu Nome acompanha Elio (Timothée Chalamet), um jovem que, enfrentando mais um verão ocioso na casa de seus pais, tem seus ânimos reacendidos com a chegada de Oliver (Armie Hammer), um acadêmico aluno de seu pai que fora convidado por este para auxiliá-lo em suas pesquisas por seis semanas na Itália.
Não demorando muito para desenvolverem interesses mútuos (seja em aspectos da personalidade do outro ou mesmo fisicamente), Elio e Oliver acabam por descobrir um sentimento de complemento recíproco que, especialmente em Elio, se torna parte integral na descoberta de si mesmo – experimentando, no processo, todo o calor, intensidade e a eventual dor resultante de se entregar por completo para alguém pela primeira vez em sua vida – especialmente quando se tem o tempo contado, como é o caso de seu relacionamento com Oliver.
Enriquecido por dois atores principais que possuem química tangível para compartilharem vários dos intensos momentos que a história exige, Me Chame Pelo Seu Nome é um daqueles raros trabalhos que possuem eficácia tamanha a ponto de transmitir a sensação de estarmos, de fato, acompanhando uma relação se estabelecer e crescer de forma genuinamente afetiva. Dessa forma, a compatibilidade intelectual, a demonstração de carinho e o fervor da paixão claramente existente entre Elio e Oliver se estende para o espectador de maneira que é impossível não sentirmos, ao menos, um resquício da honestidade daquela relação (e o diretor Luca Guadagnino é sábio em nos ancorar no ponto de vista de Elio para tal efeito).
Reminiscente ainda do belíssimo Antes do Amanhecer na forma como retrata um relacionamento que, apesar da monumental força com que se faz presente, se mostra fadado ao fim (ou ao menos, a ser interrompido) por conta de adversidades e responsabilidades da vida pessoal de seus participantes (naquele filme, Jesse e Celine tinham apenas até o trem do dia seguinte para permanecerem em companhia um do outro, e aqui Oliver eventualmente tem que voltar para sua vida nos Estados Unidos), Me Chame Pelo Seu Nome é dono de uma sensibilidade que é somente evocada pelos mais eficazes trabalhos de Arte, não sendo atoa então que se cimenta como, indubitavelmente, o mais admirável dos indicados ao Oscar neste ano.

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