Por: Luigi Wagner
Ao escrever sobre South Park: The Stick of Truth, em 2014, apontei em uma definição quase indiscutível o fato daquele trabalho da Obsidian Entertainment ser, provavelmente, o uso mais acertado (ou, ao menos, mais fiel) de uma licença nos videogames até então.
Além de adotar uma direção visual que tornava impossível distingui-lo de um episódio qualquer do desenho criado por Trey Parker e Matt Stone, em 1997, The Stick of Truth também se mostrava um trabalho de mestre ao transportar de maneira intocável o humor presente na obra dos criadores (que co-escreviam o jogo) para o formato de um game.
Esta máxima, naturalmente, se estende então para sua sequência, que, (genialmente) intitulada de South Park: The Fractured But Whole (aqui traduzida para South Park: A Fenda Que Abunda Força), agora chega pelas mãos do estúdio interno da Ubisoft – Ubisoft San Francisco.
Tendo início logo no dia seguinte aos acontecimentos decorridos em The Stick of Truth, The Fractured But Whole começa quando as crianças decidem deixar de lado as brincadeiras de teor medieval/fantasioso que tomaram conta na trama do primeiro jogo para brincarem de “super-heróis” no lugar.
Criando um conflito quanto à forma de dividir como cada herói ganhará seu próprio filme e “série no Netflix” em um “universo compartilhado”, as crianças acabam se dividindo em dois grupos principais: Guaxinim e Amigos – encabeçado por Cartman (O Guaxinim) e composto também por Kyle (Pipa Humana), Clyde (Mosquito), Jimmy (Fastpass), Craig (Super Craig) e o protagonista (O Novato) – e Os Amigos da Liberdade – liderados por Timmy (Dr. Timothy) e com participação de Kenny (Mysterion), Stan (Ferramenta), Tweek (Wonder Tweek) e Token(Tupperware).
Estabelecendo um confronto que faz clara referência a Guerra Civil dos quadrinhos da Marvel, South Park: The Fractured But Whole não poupa esforços para tirar sarro das empreitadas recentes e saturadas da Marvel Studios e DC Films na concepção de adaptações cinematográficas de histórias de super-heróis. A obsessão das crianças em planejar os filmes e séries de suas respectivas personas por anos a fio, por exemplo, não transparece ser um exagero lá muito distante da mentalidade dos grandes estúdios hollywoodianos, que já estabelecem calendários para dezenas de filmes e sequências hoje em dia antes que mesmo um deles dê certo. E os roteiristas de The Fractured But Whole não se restringem nem mesmo em ataques mais diretos, como aqueles vários (e hilários) proferidos por Cartman e direcionados a Zack Snyder (Homem de Aço, Batman v. Superman).
Mas não é só no âmbito dos “super-heróis” que a continuação acerta em suas piadas – e se acho justo apontar The Fractured But Whole como um jogo definitivamente menos engraçado e absurdo que seu antecessor, não é como se a sequência não fosse também habitada por vários momentos que inspiram risadas altas. É impossível não soltar gargalhadas, por exemplo, ao descobrirmos o trauma que deu origem à descoberta dos poderes do protagonista (no caso, o garoto/garota viu os pais transando quando pequeno) ou então naquela incrível sequência envolvendo o Peixe Gay/Kanye West e sua cruzada por levar sua mãe ao Céu. Sem hesitar em criticar todos os lados também, é sempre hilariante, por exemplo, como toda vez que o/a protagonista tem a oportunidade de definir alguma característica própria (como seu gênero, raça ou religião) um bando de caipiras aparecem para ataca-lo por estar “acabando com os costumes americanos” – ao passo que aquela genial “habilidade” que o Diretor P.C. dá ao jogador de atacar seus oponentes em combate (mesmo quando não é a vez deste) sempre que algum inimigo solta alguma ofensa que possa ser considerada “politicamente incorreta” também é usada para os melhores dos efeitos cômicos.
Concebendo uma trama principal que não poderia soar “mais South Park”, The Fractured But Whole não demonstra a menor das preocupações em manter uma coerência lógica sobre seus eventos, chegando a costurar uma história que envolve super-heróis, viagens no tempo, policiais racistas, strippers, Morgan Freeman, ninjas, drogas alucinógenas e, é claro, “peidos atemporais”.
Em suma: uma história perfeitamente digna do universo de South Park.
No espectro da jogabilidade e de seu design, The Fractured But Whole é mais uma evolução “natural” dos componentes vistos em The Stick of Truth do que uma reinvenção propriamente dita.
A diferença mais destacável na sequência é certamente seu sistema de combate. Mantendo a essência de RPG “por turnos” (os ditos Turn Based RPGs) do jogo original, The Fractured But Whole expande e elabora neste ao situar os combates em uma disposição de “grades” que determinam a posição de cada personagem. Desta forma, o próprio ato de definir a movimentação de cada personagem no campo de batalha torna-se uma necessidade estratégica, sendo preciso, então, estabelecer previsões acerca de onde posicionar-se antecipadamente para estudar os ataques ou mesmo para desviar-se destes. Não só isso, o jogo também faz um ótimo trabalho em tentar diversificar os objetivos durante as batalhas esporadicamente com o uso das tais grades (além do simples “derrote todos os inimigos”), como, por exemplo, naquele confronto que requer que o jogador queime pequenas pilhas de maconha para deixar a Toalinha “alta” ou então naquele que envolve a escapatória de um strip-club. Estimulando a estratégia também pela simples liberdade de quais aliados escolher para cada batalha, The Fracture But Whole me fez questionar algumas boas vezes sobre quais personagens seriam mais apropriados para cada tipo de batalha, uma vez que o extenso elenco à disposição (composto por aqueles principais personagens do desenho) é dotado das mais diversas habilidades e ataques especiais que podem vir a calhar de acordo situações específicas.
Em seu sistema de progressão o jogo também traz uma melhora significativa sobre The Stick of Truth, adotando um sistema de evolução que consiste no equipamento de “Artefatos” que determinam o nível de poder do jogador (essencialmente uma versão mais palatável e simples daquele método de progressão visto em Destiny). E se este sistema acaba sendo um dos responsáveis por atrapalhar o ritmo da campanha principal de The Fractured But Whole em sua primeira metade (mais do que ocasionalmente, no início do game, o jogador recebe missões que estão substancialmente acima de seu nível de poder), à medida que o jogador vai ganhando mais poderes e pode explorar a cidade livremente, a descoberta por artefatos vai se tornando não só mais frequente, como também recompensadora.
A cidade de South Park na continuação, por sinal, mantém-se, em estrutura, basicamente a mesma daquela do primeiro jogo (salvas algumas raríssimas novas regiões), com a diferença principal residindo no compasso em que dá liberdade ao jogador, uma vez que uma quantidade substancial de ambientes, muitas vezes, só podem ser acessados com a parceria dos poderes do jogador (estes invariavelmente relacionados à sua habilidade “extraordinária” de flatulência) com os aliados que eventualmente recruta.
Mantendo o feito de recriação impecável do visual do desenho original, The Fractured But Whole retém o título conquistado por Stick of Truth de “adaptação mais fiel” em um game de “todos os tempos”, assim como seu antecessor, tornando-se indistinguível de uma tela qualquer de algum episódio do seriado.
É uma pena então, que o jogo também traga de volta consigo o mais notável dos problemas técnicos do primeiro game, importunando o jogador com frequentes telas de loading durante a exploração do mundo (o que se torna especialmente frustrante de se constatar quando levado em conta que roda em plataformas uma geração à frente daquele jogo).
Felizmente, as ocasionais inconveniências técnicas estão longe de invalidar a divertidíssima e empolgante aventura que é The Fracture But Whole, que acaba se provando uma obra que entretém do início à sua absurda conclusão – ao menos se você não se importar de sentir-se sujo ao rir de seu frequentemente grotesco, mas acertado humor.
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