quinta-feira, 25 de maio de 2017

Análise – Emily is Away Too

Funcionando como uma espécie de cápsula do tempo no formato de um text adventureEmily is Away, lançado ao final de 2015, era, mais do que tudo, um belíssimo experimento com a linguagem da interatividade.
Estruturado basicamente nos moldes do AOL Instant Messenger (pense o análogo popular ao MSN nos Estados Unidos no início dos anos 2000), o jogo (inteiramente) escrito e desenvolvido por Kyle Seeley, colocava o jogador no papel, bem, dele mesmo, em um contexto de amizades no ensino médio norte-americano. Sendo amigo de uma garota chamada EmilyEmily is Away consistia essencialmente em uma extensa conversa com a garota através do aplicativo de mensagens da época, dando ao jogador certas escolhas sobre como prosseguir com o relacionamento.
Transpirando ao longo de anos, a cada capítulo nos deparávamos com uma nova etapa de nosso relacionamento com Emily (a história se iniciava no último ano de ensino médio dos jovens e fechava no ano conclusivo da faculdade), nos dando um pequeno vislumbre na evolução (ou decadência) da relação.
A grande força residente em Emily is Away, no entanto, consistia na capacidade do jogo de nos colocar em uma história que, de uma forma ou de outra, já havíamos vivenciado em algum momento da vida. Grandes paixões que nunca se concretizaram da forma como imaginávamos que um dia iriam, os “ingênuos” dramas adolescentes nos quais todos já uma vez tomamos parte e – talvez o mais lamentável de tudo – a realidade de que, mais do que ocasionalmente, os maiores de nossos amores possam estar fadados a uma conclusão anticlimática que em nada faz jus à grandeza que a precedeu.
Não são vários os jogos capazes de despertar este amontoado de sentimentos e reflexões como o trabalho de Kyle Seeley o fazia – talvez pelo fato de Emily is Away nos obrigar a reviver situações tão relacionáveis e – ainda que potencialmente frustrantes – não menos valiosas.
Assim, ao ser anunciado que o indie eventualmente ganharia uma “sequência espiritual”, não pude evitar certo receio, afinal de contas, grande parte da beleza do primeiro jogo consistia justamente na simplicidade estrutural e no escopo dramático de sua história.
Intitulada Emily is Away Too, a sequência (novamente inteiramente comandada por Seeley) nos apresenta a novos personagens e um contexto diferente – no caso, a metade dos anos 2000. Colocando-nos no papel de “nós mesmos” mais uma vez, EiAT apresenta a diferença notável de nos colocar para conversar com duas pessoas, sendo estas Emily (que não necessariamente remete àquela do primeiro jogo) e Evelyn.
Mesmo com personalidades evidentemente distintas, as conversas com as garotas muitas vezes precisam ser administradas simultaneamente (com a tecla alt no teclado facilitando a mudança instantânea de um chat para o outro), ficando a cargo do jogador manter ciência da natureza de sua relação para com cada uma das meninas (um “simulador de administração de ‘contatinhos’”, você diz?).
Pelo simples fato de contar com dois relacionamentos diferentes para se conduzir, Emily is Away Too já explora uma reflexão interessante que o jogo anterior não chegava a fazer: a capacidade de nos comportarmos de maneira diferente dependendo de com quem estamos interagindo. Dessa forma, por nós jogadores/jogadoras inevitavelmente projetarmos nossas próprias personalidades no personagem que comandamos, é fascinante a habilidade que o jogo tem de nos forçar uma autoanálise sobre a forma como nos portamos e conversamos com cada uma daquelas pessoas. Assim, é curioso nos pegarmos deixando “a mostra” a vertente de paixão “nerd” que temos ao conversarmos com Emily para eventualmente nos mostrarmos mais o tipo “festeiro” com Evelyn. E mesmo que estejamos constantemente em contato com ambas as garotas, é admirável que nunca acabemos cometendo o tropeço de misturar as suas (ou as “nossas”) personalidades mentalmente, o que se deve é claro, ao excelente roteiro de Seeley, que consegue estabelecer com clareza e eficácia as personas de Emily e Evelyn.
Mantendo relativamente a mesma estrutura principal de seu antecessor, as conversas centrais de Emily is Away Too (que decorrem em uma versão “atualizada” do AOL) ainda consistem no esquema básico de responder com uma de três possibilidades de respostas dispostas, mantendo a importante necessidade de, independente da escolha, o jogador ter que utilizar o teclado do computador para gerar a escrita na tela (ainda que quaisquer teclas valham para a inserção da resposta escolhida, não deixa de ser uma mecânica eficientemente imersiva).
Retendo também a atmosfera de “cápsula do tempo” do primeiro jogo, o chat presente em Emily is Away Too é cheio das mais diversas referências à metade da primeira década do milênio: ícones de perfil referentes a filmes como Zodíaco, de David Fincher ou 007: Cassino Royale, status de perfil com trechos de canções do Snowpatrol ou Radiohead ou até mesmo ocasionais referências pelos personagens a obras da época, como o maravilhoso terror Abismo do Medo, de 2005 que é citado como um dos favoritos de uma das garotas (o jogo chega a contar com um anúncio da Blockbuster na lateral de início do chat!).
Diferenciando-se da estrutura do jogo anterior no aspecto de um componente browser separado, consistente basicamente do chamado “Youtoob” (possivelmente análogo ao Youtube de nosso mundo), o site de streaming contém os mais diversos vídeos característicos da época, desde memes como “O panda espirrando” até clipes musicais do Snowpatrol e Arcade Fire (e é adorável o fato de todos os vídeos terem uma resolução máxima de 360p, qualidade que lembremos, era a regra na época).
A inserção deste componente, no entanto, está longe de servir como um mero enfeite nostálgico ao jogo – pelo contrário – só ressalta o costume comum da época que era fortemente responsável (e na verdade é até hoje) de unir as pessoas através do compartilhamento da música. Assim, depois de Evelyn lhe enviar um link para um clipe de Let it Enfold You, do Senses Fail, e lhe perguntar sua opinião sobre a música, a garota não está meramente interessada na resposta, mas no que esta pode representar para o nível de compatibilidade entre vocês.
E quantas vezes nós mesmos já não fizemos isso com aquelas pessoas com quem nos importamos?
É justamente devido a esse tipo de “deja vu” sentimental que Emily is Away Too, assim como seu antecessor, encanta tanto.
Ao nos colocar no papel de alguém que nos permite projetar por inteiro nossa própria personalidade em seu lugar, Emily is Away Too nos faz reviver os altos e baixos de vários relacionamentos que já tivemos o prazer ou desprazer de experienciar ao longo de nossas vidas, posando inevitavelmente a questão do “e se?” (“e se não tivéssemos nos conhecido?”, “e se não tivesse dito aquilo?”), lançando-nos assim em possíveis devaneios sobre realidades alternativas – às vezes mesmo quanto às pessoas que decidimos manter ao redor em detrimento de outras que afastamos. Sendo assim, é impossível não concluir o jogo com certa sensação de catarse emocional – indubitavelmente – para o melhor dos efeitos.
“Emily, quem é Emily?
Minha mãe diria que ela é todo mundo. Toda garota, todo garoto, toda pessoa que qualquer pessoa já amou.”
O pequeno texto que abre o jogo indicando a natureza universal da história que será contada é um resumo perfeito do porquê de, apesar de ser um drama protagonizado por adolescentes, Emily is Away Too consegue ser tão honesto e – nesta honestidade – mais maduro que várias ficções centradas em figuras adultas por aí.

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