quinta-feira, 6 de julho de 2017

Análise – Perception

A capacidade que os games têm de nos fazer enxergar o mundo através de outros olhares é uma qualidade, até certo ponto, quase que exclusiva desta mídia. Ao nos obrigar a projetarmos nosso próprio “eu” dentro do “avatar” o qual controlamos no mundo virtual, existe uma relação de transporte de imersão singular que outros veículos narrativos raramente atingem com sucesso.
Perception, jogo desenvolvido pela The Deep End Games (composta por vários indivíduos que trabalharam nas franquias BioShock Dead Space no passado), é uma obra que visa nos colocar num papel notavelmente particular para uma mídia que depende tanto da noção visual como os games o fazem: uma protagonista cega.
Acompanhando Cassie (Angela Morris), uma garota cega que decide investigar uma mansão em Gloucester, Massachusetts, que frequentemente aparecia em seus sonhos, Perception é um terror que visa nos deixar no escuro (literalmente) à medida que a garota descobre os mistérios que habitam o macabro casarão.
Possuindo uma premissa simples, mas inegavelmente interessante para o desenrolar de uma história sinistra – especialmente considerando o ponto de vista pelo qual é contada – Perception não demora muito para se mostrar um exercício de gênero terrivelmente pobre em termos narrativos e assustadoramente frustrante em quesitos de design.
Contando com uma trama que parece não perceber a força do escopo narrativo limitado da própria premissa, o roteiro escrito por Amanda Gardner decide inflar a história do jogo a níveis que vão desde viagens no tempo (sim) até reviravoltas que são atiradas ao jogador sem o mínimo de plausibilidade no terceiro ato. Dessa forma, a atmosfera de claustrofobia que poderia ser tão facilmente preservada em uma história desta natureza, acaba por ceder lugar a pontos narrativos que almejam ser muito maiores do que precisariam para evocar o sentimento-objetivo principal que Perception visa evocar: o medo.
Essa tentativa malsucedida de se provocar o terror, no entanto, é ainda mais agravada pelas pavorosas linhas de diálogo que permeiam o jogo do início ao fim: entregues por igualmente terríveis performances (Morris, que interpreta a protagonista, parece não ter a menor noção de como reagir em situações de medo, frequentemente adotando um tom humorístico para momentos onde o pânico deveria prevalecer), os diálogos (na maior parte do tempo, monólogos para falar a verdade) proferidos por Cassie chegam ao nível de absurdo em que, ao “avistar” o que ao tudo indica parece se tratar de uma figura fantasmagórica, a protagonista solta um “Meu Deus, aquilo era um fantasma de verdade!”.
Se narrativamente, Perception se mostra um trabalho notavelmente problemático e falho em provocar o medo, em termos de jogabilidade e design o jogo é um desastre ainda maior. Desenrolando-se na perspectiva em primeira pessoa de Cassie, que percebe o mundo usando “ecolocação” (à medida que a garota anda pelos lugares, seus passos provocam sons que batem nos objetos a sua volta e refletem nela mesma, lhe passando uma “noção” do ambiente ao redor), Perception possui uma composição visual quase monocromática, de forma que essencialmente todos os elementos do mundo são banhados por um azul escuro profundo que, através de silhuetas, permitem a percepção rasa de elementos nas proximidades (sendo que é preciso pressionar um determinado botão constantemente para poder enxerga de forma razoável). Considerando a natureza da personagem principal, contextualmente é uma solução visual até aceitável – mas é uma que em termos de manter o jogador engajado visualmente ao longo das (arrastadas) três/quatro horas que o jogo dura, não demora muito para esgotar a variedade estética.
O maior dos problemas das decisões de design de Perception, no entanto, reside nas “ameaças” que o jogo decide colocar para perseguir o jogador ao longo da mansão. Sendo a principal delas denominada de “A Presença”, uma criatura que vaga pelos corredores da casa e que é capaz de matar o jogador em um “abraço”, o jogo também decide introduzir pequenas bonequinhas de porcelana que, bem…atiram no jogador ao este passar pelos arredores (suspiro). Essas tais ameaças, porém, cumprem apenas um papel eficientemente: frustrar de maneira absurdamente irritante o jogador. Assim, quaisquer resquícios de possível medo que “A Presença” poderia provocar são logo ofuscados pela incessante irritação que é cruzar com a criatura a todo o momento, morrer instantaneamente e ser impedido de continuar com a história de forma apropriada. Se o costume de jogos do gênero é favorecer a exploração para melhor entendimento da história e absorção de atmosfera – por algum motivo – Perception decide ir contra esta tendência para os piores dos efeitos na tentativa de gerar algum tipo de desafio.
A impressão que fica é que qualquer ambição narrativa ou técnica que jogo atenta é sempre sabotada ou pelo péssimo roteiro que envolve sua história ou por decisões de design que não poderiam se mostrar mais frustrantes na prática.
A melhor das opções, mesmo, é fazer vista grossa para Perception, se me permitem o trocadilho.

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