quarta-feira, 18 de abril de 2018

Análise - Far Cry 5





Franquia que veio a abraçar o ‘absurdo’ como elemento central de sua identidade ao longo de suas últimas iterações – fosse em seus vilões vividos com uma intensidade caricata, ou em seus inúmeros momentos de ‘jogabilidade emergente’ proporcionados por seus mundos-abertos – Far Cry se tornou também praticamente um molde para o que viríamos a reconhecer como a “fórmula” dos jogos da Ubisoft.

Com mapas povoados por incontáveis missões e colecionáveis, os games da série não ousaram arriscar muito desde que a franquia encontrou sucesso certeiro com o padrão estabelecido por Far Cry 3, em 2012 – tornando as “torres de desbloqueio” de sua estrutura quase que como a ‘alternativa fácil’ para a concepção de seu arquétipo de mundo-aberto nos olhos de designs mais elegantes do gênero.

Trocando as exóticas paisagens das savanas africanas, ilhas paradisíacas e cordilheiras do Himalaia pelo estado de Montana, no Norte dos Estados Unidos – mais precisamente no condado fictício de Hope CountyFar Cry 5 conserva alguns dos aspectos mais essenciais de seus colegas de franquia, mas traz também uma abordagem relativamente mais inteligente na forma como dispõe seu mundo para o jogador.

Colocando este no papel de um delegado novato que chega ao condado com a prospectiva de ajudar a polícia local a prender Joseph Seed (Greg Bryk) – um megalomaníaco que se diz “escolhido por Deus” e que coordena uma seita religiosa que alega que “o fim está próximo” – Far Cry 5 nos introduz a seu universo com moderada competência, obtendo sucesso ao estabelecer sua ameaça principal e o perigo iminente demonstrado por esta.


Infelizmente, qualquer senso de direcionamento narrativo logo se esvai ao percebermos que o jogo não faz a menor questão de conciliar o tom seríssimo de sua história com a absurdez de seu mundo.

Se este contraste não poderia se mostrar mais evidente ao percorrermos uma missão ao lado de um urso que segue seus comandos chamado de ‘Cheeseburger’, apenas para presenciarmos a morte de algum personagem importante na trama logo em seguida (com direito a músicas que ressaltam com intensidade a dramaticidade de tal sequência), Far Cry 5 ainda ultrapassa o ridículo ao reduzir essencialmente todos os encontros que temos com suas figuras vilanescas a sessões de exposição nas quais estas praticamente vomitam suas motivações e passados pessoais ao protagonista mudo que encarnamos.

E falando neste, se considero o artifício do “protagonista mudo” uma das abordagens mais preguiçosas e sem noção que First Person Shooters costumam adotar, confesso que este nunca foi motivo de tanta frustração como é no caso de Far Cry 5. Se as mencionadas sequências de “vômito de exposição” dos vilões já irritam pela natureza tosca do ponto de vista de roteiro, estas se tornam ainda mais insuportáveis devido à ausência de qualquer reação por parte do protagonista, relegando este – e, consequentemente, o jogador – a apenas sentar ali enquanto ouve e presencia uma série situações que, no mínimo, provocariam o pânico (senão a fúria) em quem as testemunhasse. Assim, para um jogo que durante a jogatina parece sempre querer inspirar o jogador a se sentir um badass, é irônico que Far Cry 5 acabe por gerar uma sensação tão desconfortável de...impotência.



Prejudicado ainda por uma galeria de personagens esquecíveis – seja no lado dos amigos ou no dos vilões – Far Cry 5 também peca ao utilizar de seu clímax para ressaltar ainda mais a natureza estúpida e incoerente de sua trama, apelando para um desfecho que, na tentativa de se mostrar “chocante”, apenas afunda o jogo na vala narrativa que o mesmo cavou ao longo das dezenas de horas que o antecederam.

Por fim, se acho injusto condenar qualquer obra pelo que "poderia ter feito” ao invés do que de fato se propõem a fazer, é no mínimo um tanto decepcionante que o jogo também se esquive de fazer quaisquer comentários políticos efetivos sobre o contexto de sua história – possivelmente por medo de revoltar militantes da extrema-direita que poderiam facilmente se encaixar na definição de seus vilões (lembremos que vivemos em tempos em que nazistas se sentem legitimados pelo Presidente dos Estados Unidos a ponto de saírem nas ruas do país marchando por suas “ideias”).




Considerando o desastre que Far Cry 5 demonstra ser em sua frente narrativa, é reconfortante perceber que o jogo obtém sucesso na maioria de suas outras empreitadas – uma constatação que se deve, em especial, a forma como o jogo passa a estruturar seu mundo e as atividades que este dispõem.

Trocando as famigeradas “torres de rádio” que colocavam no mapa essencialmente quaisquer missões e colecionáveis disponíveis em uma determinada área nos jogos anteriores por um sistema que estimula a exploração e a descoberta destes de forma natural pelo mundo, Far Cry 5 acaba por criar um playground que se desdobra de maneira muito mais orgânica do que em seus antecessores.

Dessa maneira, a descoberta dos icônicos outposts (postos de inimigos), missões secundárias, atividades de lazer (que inclui entre elas um simples, mas divertido sistema de pesca), zonas de caça e afins vem, não de um único lugar, mas da exploração do mundo e do engajamento em suas dinâmicas: se você notou um conjunto de pessoas sendo feitas de refém por inimigos em algum local, resgate os mesmos e seja recompensado com a localização de um esconderijo com bens preciosos revelados por um dos indivíduos. Capturou um posto inimigo e na investigação do local achou um papel com anotações particulares? Leia-o e pode ser que este revele a existência de uma missão paralela de história relacionada a seu conteúdo. Consequentemente, o game não só cria um senso de conhecimento mais recompensador de seu mundo, como também estimula o jogador a interagir ativamente com seus sistemas, uma vez que há sempre uma compensação por fazê-lo.

Pendendo o avanço de sua campanha principal não apenas na realização das tais “missões principais”, mas também de atividades alheias no mundo que recompensam o jogador com Pontos de Resistência em cada região (ao atingir o nível máximo de cada região é liberada a missão de enfrentamento com o membro da Família (do Culto) que comanda aquela parte do condado), o jogo dá um sentimento de liberdade bem-vindo na forma como nos permite abordar cada área no momento desejado. É claro, esta abordagem não-linear acaba por trazer alguns problemas ‘inevitáveis’ de ritmo para sua já problemática história, mas no grande escopo das coisas ainda se mantém como uma estratégia interessante de progressão na campanha.



Trazendo também um grau de liberdade divertido na maneira como permite ao jogador o acompanhamento de NPCs particulares (ou mesmo de amigos pelo seu modo co-op) ao longo das missões ou na travessia de seu mundo, Far Cry 5 adiciona uma camada a mais de estratégia na aproximação de seus conflitos: prefere limpar um posto inimigo sob uma abordagem mais furtiva? Chame a arqueira Jess ou o cãozinho Boomer (que marca a localização dos inimigos com seu ‘latido’). Sentiu-se na vontade de criar o caos total? Convoque o já mencionado urso ‘Cheeseburger’ para dilacerar seus inimigos ferozmente ou então chame o piloto Nick Rye para lançar um ataque aéreo sobre a região.


Beneficiado ainda por uma recriação fantástica do estado de Montana em seu fictício condado de Hope County, Far Cry 5 cria um mundo que simultaneamente deslumbra por sua beleza natural (as cadeias montanhosas características do estado norte-americano demonstram aqui a mesma imponência que o fazem na vida real) e assombra por exalar um teor quase ‘apocalíptico’ devido a dominação do Culto na região. Infelizmente, a exploração da locação é frequentemente frustrada por ser demasiadamente hostil no que toca ao espalhamento de seus inimigos: é difícil andar por suas estradas por mais de três minutos sem ser incomodado por um carro de oponentes que instantaneamente começam a disparar contra você (e o mesmo acontece ao tomarmos os céus com aviões ou helicópteros). Ora, é compreensível que seus criadores queiram criar um senso de perigo iminente a todo o momento, mas a forma como tal efeito se materializa não só incomoda, como pura e simplesmente irrita.



Revelando-se um experimento necessário com uma fórmula que já estava começando a se mostrar estagnada, Far Cry 5 sinaliza que a Ubisoft ainda exibe disposição para brincar com novas linguagens em um gênero no qual já demonstra experiência há anos.

E ainda que tenhamos que sofrer com sua pavorosa história e algumas decisões de design irritantes ao longo da jornada, o jogo se mostra divertido o suficiente em suas outras frentes a ponto de valer a aventura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A Game Center Brasil agradece seu comentário.